Na mesmice da fé católica


Queridos irmãos e irmãs, estamos nos aproximando da Semana Maior da Igreja, ou Semana Santa. Assim a chamamos porque nela está o coração do ano litúrgico, ou seja, o tríduo pascal que faz pulsar sangue e vida para as demais celebrações vindouras, especialmente até Pentecostes e a partir dele, por todo o ano. Alguém poderia dizer que se trata de uma mesmice da fé católica, todo ano a mesma coisa. É lamentável escutar tais afirmações, pois a riqueza da nossa liturgia está justamente na repetição dos ritos, e nenhum rito celebrado por nós cristãos tem qualquer sentido se não se fundamenta como expressão do Mistério Pascal de Jesus Cristo que ilumina, reanima e sustenta a vida do seu povo a caminho da páscoa definitiva para casa do Pai. Este o diferencial do Rito para o ritualismo, o segundo sim, quando supera o primeiro é de uma mesmice e vazio enormes. Todos os anos fazemos, aparentemente, o mesmo caminho, que é o Rito Litúrgico, porém com um coração renovado e um olhar diferenciado, como se a cada ano subíssemos um degrau, que por mais parecido que seja com o anterior é outro e está acima.

Escuto pessoas dizerem, depois de terem passado anos afinco pelo mesmo lugar: - eu nunca tinha reparado esta árvore, ou a arquitetura desta ponte. - No entanto ela está ali há décadas. Com este reparar ou reolhar podemos entender como: - eu nunca tinha antes olhado para esta árvore ou para esta ponte como estou olhando agora. E o coração diz bem lá no fundo, que a partir desta experiência eu não mais olharei para esta árvore com o mesmo olhar de antes, mas com a sedução e o encanto que hoje ela despertou em mim, sempre na expectativa de descobrir nela, ainda mais do que já consegui enxergar.

Pois é, com os Mistérios da nossa fé celebrados na Sagrada Liturgia, se dá a mesma coisa, muitas vezes passamos por eles ou os deixamos passar por nós com tamanha indiferença que parecem já não ter sentido celebrá-los ou nos parecem uma mesmice. Engana-se e muito, quem pensa assim, pois Deus é um Mistério infinito e surpreendente ao nosso coração e tudo o que celebramos aqui é até um ensaio para a grande festa no céu e nós sabemos que quanto mais se ensaia e se prepara, melhor se torna a festa. Os próprios discípulos que conviveram lado a lado com Jesus não conseguiam de imediato compreender e experimentar com largueza a revelação que ele fazia do Pai; porém, não desistiram de desejar e pedir “mostra-nos o Pai”, ainda que para muitos deles, quiçá para todos, este desejo tivesse ambições contrárias ao verdadeiro discipulado querido e ensinado por Jesus. No entanto, a paciência do Mestre fazia parte da sua pedagogia aprendida do Ecle 3,1: ”há um tempo para tudo.” Jesus conhecia o coração e a mente daqueles que ele chamou para segui-lo, chegou até mesmo a dizer: “como vocês são lentos para crer” (Lc 24,25). Não diferente deles somos nós, cremos com reservas e por isso buscamos celebrar e recelebrar o Mistério Pascal para que nos sintamos envolvidos por sua novidade que está além das invencionices e modismos celebrativos da nossa geração imediatista. Não que o Mistério em si seja novo, nova é a compreensão, a experiência adquirida a cada vez que o celebramos, na esperança de num determinado momento, ainda que seja o derradeiro, o nosso coração, se nossos lábios falharem, possa dizer como São Paulo em Gl 2,20: “Já não sou eu quem vive, é Cristo que vive em mim”, ou como Santo Agostinho nas suas confissões: “Tarde Te amei, ó beleza tão antiga e tão nova!!!”

No desejo de que possamos celebrar a Páscoa do Senhor e as suas consequências com a certeza de termos feito a melhor experiência da nossa vida até o momento presente é que o nosso jornal a Voz da Ilha mês de abril, chega às suas mãos com o convite e o apelo especiais: aproveite ainda esta última semana da quaresma, e se há um tempo para tudo, deixe ecoar em seu coração as palavras do Apóstolo Paulo: “É este o tempo favorável,” insista na oração, no jejum e na caridade, pedindo com o salmista: “criai em mim um coração que seja puro e dai-me de novo um espírito decidido.” (Sl 50,12) e que na mesmice da samaritana em buscar água no poço de Jacó, possamos nos encontrar com Jesus, o Cristo, único capaz de saciar a nossa sede e fazer jorrar em nós uma fonte para a vida eterna.

A todos os leitores e leitoras, aos seus familiares e amigos expressamos os nossos votos de uma verdadeira e Santa Páscoa no Cristo que nos salvou por sua Paixão, Morte e ressurreição!Fraternalmente, Pe. Paulo